domingo, 2 de setembro de 2012

Ciências Políticas na Escola


Mais uma disciplina? 

Raquel Júnia - Escola Politécnica de Saúde 
Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) 

PL propõe inclusão da matéria no currículo escolar. Para educadores, escola é lugar da política, mas não como disciplina. 

O projeto de lei 7746/2010 inclui no currículo obrigatório do ensino médio a disciplina ciências políticas. De autoria do deputado federal Ronaldo Caiado (DEM/GO), a proposta sugere que seja ensinado aos estudantes conteúdo técnico e não partidário, relacionado à história do voto no Brasil, atribuições dos cargos políticos, diferenças entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, entre outros assuntos. O projeto alteraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que já foi modificada recentemente para a inclusão das disciplinas obrigatórias de sociologia e filosofia.

De acordo com o site da Universidade de Brasília (Unb), que oferece um curso de graduação em Ciência Política, o estudo dessa área de conhecimento “envolve diversas disciplinas das ciências humanas, como História, Geografia, Filosofia e Antropologia”. Ainda segundo a universidade, “o cientista político é alguém que conhece profundamente a história dos processos políticos e tem habilidades para definir tendências e sugerir caminhos”. O deputado Ronaldo Caiado, ao propor que a disciplina seja obrigatória, argumenta que a mudança contribuiria para o aperfeiçoamento do processo democrático. “Os eleitores estarão mais capacitados para entenderem a realidade política à sua volta. Atualmente muitos eleitores votam sem saber a atribuição dos cargos políticos”, defende na justificativa do projeto de lei. O deputado completa: “É importante que o brasileiro saiba quais as atribuições de um governador, de um deputado federal, pois se estes o representam, é imprescindível que se saiba em que dimensão da atuação política eles estão. Assim, o eleitor terá maior noção da realidade em que está inserido, o que o levaria a um maior discernimento para votar”. 

Ao contrário do que pensa o deputado, o filósofo e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Cláudio Gomes acredita que a filosofia e a sociologia são suficientes para trabalhar esses temas. “Para esse conteúdo técnico não precisaria de ciência política, a sociologia daria conta em um mês”, aposta. Cláudio considera também que não há mais espaço no ensino médio para mais uma disciplina. “Ficar entulhando o ensino médio com mais disciplinas a cada ano é um grande erro. Mas 
não basta dizer que não há mais espaço: essas ideias partem sempre do princípio de que o conhecimento é apenas informação ”, afirma. 

O professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e também do Programa de Pósgraduação em Educação Profissional em Saúde da EPSJV/Fiocruz, Gaudêncio Frigotto, tem a mesma opinião. “Vamos inchando o currículo cada vez mais. Agora mesmo estava lendo no jornal uma reportagem que dizia que uma escola pública estava iniciando um projeto de educação financeira proposto pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários], pelo Banco Central, pela Bovespa. Isso significa exatamente educar para novos acionistas. A história, a sociologia, a filosofia e outras disciplinas do ensino básico já dão um fundamento para entender o homem na sociedade e o homem dentro das relações sociais”, opina. 

Para além da falta de espaço no currículo, Gaudêncio acredita também que há um equívoco na proposta do deputado de inclusão de ciências políticas no currículo do ensino médio. “Querer dar um curso de ciência política como técnica é um contra-senso em si. A política não é uma técnica, é uma relação social, de classes, uma arena de conflito numa sociedade de classes. A concepção que essa disciplina pretende passar sobre a política não é a única; é justamente a que busca alienar o estudante chegando à conclusão de que a 
política é coisa de especialistas e técnicos”, critica. 

Para Gaudêncio, uma escola que tem uma proposta pedagógica de formação a partir de uma leitura crítica do mundo pode garantir a discussão política até em disciplinas como a matemática. O educador ressalta que matérias como história, sociologia e filosofia são mais gerais e apresentam conteúdos que são fundamentais, ao contrário da ciência política com o viés técnico apresentado no projeto de lei. “Mas também no caso dessas disciplinas, depende de como são ensinadas, porque também pode se ter uma sociologia tecnicista, por exemplo”, ressalva Gaudêncio. 

Ao se pensar em incluir disciplinas no ensino médio, o professor considera que é preciso ter também a preocupação de não se fragmentar o conhecimento. “Isso pode nos distrair de que o campo do conhecimento é a unidade do diverso. Em um ângulo ou outro é preciso incorporar isso e o ensino médio tem que dar a base para entender as ciências da natureza e a ciência do homem. A história, a geografia, 
a filosofia e a sociologia são suficientes para dar essa base”, pontua.

Leia mais no site de referência: 
Fonte: http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?
Area=Noticia&Destaques=1&Num=429

Texto publicado no: Jornal Gazeta Valeparaibana

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