quinta-feira, 16 de julho de 2015

Maria Fernanda Arruda: Pátria Educadora ou carta de submissão?

Roberto Leher, reitor da UFRJ

Onde está a ‘Pátria Educadora’?


10/7/2015 13:55

Por Maria Fernanda Arruda* – do Rio de Janeiro, no Correio do Brasil

Os presidentes Lula e Dilma Rousseff reconhecem a educação escolar como instrumento básico para integração do povo brasileiro, independentemente de renda, à sociedade moderna. O que foi feito se orientou neste sentido? O Projeto Pátria Educadora será isso, ou uma carta de submissão ao capitalismo internacional? Quem os assessora?

No último 3 de julho, Roberto Leher assumiu o cargo de reitor da UFRJ, que exercerá até 2019. Seu discurso de posse conteve uma nota simpática e que promete um não-acomodamento nas magnificências de uma reitoria: mencionou
uma gestão compartilhada e o objetivo de obter a cassação do título de doutor honoris causa, concedido ao ditador Emílio Garrastazu Medici.

Muito mais a fundo, o novo reitor alongou-se em críticas ao que se aponta como sendo a Pátria Educadora: lembra que o Governo Federal está concedendo verbas maiores para dar acesso de estudantes em instituições privadas, do que aquelas que libera para as universidades federais, observando que os gastos com o FIES permitiriam que se dobrasse o número de vagas na UFRJ. Nas suas palavras, “grande parte dos recursos do MEC para custeio da educação financia fundos de instituições privadas, mais preocupadas com fins lucrativos – não são instituições educativas, são instituições financeiras”.

Roberto Lehrer não está traindo um voto de confiança de parte de quem o nomeou, a presidenta da República. Suas convicções são colocadas muito claramente quando, por exemplo, em 2004 escreveu: “por apagar as distinções entre instituições privadas e públicas, a reforma Lula está inscrita no escopo das políticas neoliberais em curso na América Latina”. Ele é um educador que não aceita, sob a alegação de que é necessária a “inclusão social”, o que acabou por se tornar o PROER dessas instituições financeiras disfarçadas em educativas.

De forma muito clara, os investimentos privados feitos na Educação foram enormes e tendentes a criar uma ociosidade enorme: o número de vagas em oferta supera em muito o número de candidatos. A Kroton & Anhanguera formam hoje a maior empresa educacional do mundo, com mais de 1,2 milhões de estudantes.

A Kroton está ligada à figura política de Walfrido Mares Guia, o que foi ministro de Lula, mas também o grande coordenador do chamado “mensalão mineiro”, uma figura de acesso a todos os espaços, públicos e privados. Ela opera, articulada com editoras, softhouses, fabricantes de computadores e tablets, redefinindo a formação de milhões de brasileiros.

Roberto Lehrer, em entrevista recente, informa que atualmente 40% das matrículas em cursos universitários ficam no âmbito de cinco fundos de investimentos, que são ao mesmo tempo detentores de 60% da educação à distância no País. E completou ainda, observando que se trata de uma associação de grupos econômicos, “Todos pela Educação”, organizada pelo setor financeiro, pelo agronegócio, mineradoras e meios de comunicação, que estão implantando um projeto de educação que sirva às elites dominantes: a metamorfose dos jovens brasileiros em capital humano, um fator de produção.

Tanto as críticas são legítimas, que o Governo, pelo seu Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, certamente depois de uma luta mais que renhida, enfrentando o poder de pressão da “máfia do ensino” já comunica mudanças nos critérios e procedimentos do FIES, que se tornou de fato um mecanismo de financiamento dos “fundos financeiros aplicados na educação”.

O MEC assinará 313,9 mil contratos de financiamento em 2014, 57% do que se registrou em 2014, com 731 mil contratos, um número absurdo e lastimável. Esse ajustamento decorre da definição de critérios éticos e razoáveis, a saber:

• A renda familiar do aluno contemplado não poderá superar a 2,5 salários mínimos, quando antes esse limite praticamente não existia: 20 salários mínimos.

• Terão prioridade cursos com notas 5 e 4 na escala de qualidade do MEC nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As áreas de Engenharia, formação docente e Saúde são outro foco.

Lula sempre se orgulhou das 35 universidades criadas pelos governos do PT, e com justo motivo. Mas se esqueceu de que 35% dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais, uma porcentagem que aumenta e muito quando são consideradas apenas as universidades privadas. Vamos enxergar o mundo real, e não o sonho do metalúrgico, querendo o filho feito
 doutor?

O FIES estava portanto financiando as classes-médias, com a oferta de cursos desqualificados pelo próprio MEC (com avaliações abaixo de 4), em especializações não-prioritárias, como Direito, Administração, Turismo, etc., nas regiões mais ricas do Brasil.

Tudo isso, para lucro dos especuladores financeiros (as ações de Kroton oscilam na Bolsa de Valores, segundo o Ministro pareça mais ou menos simpático à “iniciativa privada”). Tudo isso, também, foi noticiado pela imprensa, não foi comentado, e nem mereceu reprovações de uma oposição que não existe e comprova, com a sua omissão nesse caso, a sua incompetência total.

Orgulhando-se de um projeto educacional, nem Lula e nem Dilma tiveram notícia sobre o descalabro promovido por escalões secundários do governo, dotados de poderes suficientes para beneficiar a fortíssimos grupos de especulação financeira. Devem ser alertados: viajem menos, façam menos conversas de amizades e inimizades, trabalhem mais… Escolham melhor os seus colaboradores.

Roberto Lehrer não se limitou em suas críticas a um passado lastimável, e que está sendo corrigido pelo MEC, sob comando de Renato Janine. Ele olha para o futuro com preocupação imensa.

Segundo ele, o documento “Pátria Educadora” é elaboração da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), dirigido por Mangabeira Unger. O que ele, como homem do Hemisfério Norte, mal-falante da língua nacional, pretende?

Ele quer assegurar a formação de uma força de trabalho aplicável a trabalhos simples, a serem solicitados por uma economia complementar, subordinada às necessidades da economia empresarial norte-americana. Mangabeira Unger pretende a adesão à ALCA e a educação de brasileiros para servirem à ALCA?

Da mesma forma que o sonho de Lula, mantido pela Presidenta Dilma, de ofertar “universidade para todos”, foi transformado no PROER dos negociantes do ensino, agora corre-se o risco de um novo golpe, dessa feita “macroeconômico”.

Seria muito importante que o povo brasileiro pudesse ser informado: o que é mesmo a Pátria Educadora? O que está fazendo o Ministro Mangabeira Unger? De onde ressurgiu essa figura digna do cinema expressionista alemão?

*Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.

Leia também:

Rennan Martins: Projeto europeu degenerou em totalitarismo financeiro
Texto original: VI O MUNDO 

2 comentários:

  1. Artigo para ser lido atentamente porque analisa a formação da inteligência nacional que tem sido atropelada nas últimas décadas por vários fatores políticos. Surge uma pequena dúvida: o falastrão Mangabeira Unger foi ministro do governo Lula, mas depois de deixar várias instruções yankees, foi embora, mas ainda seguem as ordens que deixou?
    Na educação como na cultura em geral, ainda existe hoje grande intromissão yankee que necessita ser totalmente esquecida, basta lembrar FHC e todos os atropelos monstros que provocou, inclusive com a própria vida, agora é um imortal da ABL, talvez para fugir do Inferno onde lhe espera longa estadia de penitências pelas maldades que aqui fez!

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    1. Até hoje me pergunto por que a USAID participa do Ministério da Educação? Por que tanto dinheiro direcionado para Universidade particulares?

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