por Denise Silva Macedo* —
publicado 08/07/2017 08h00, última modificação 04/07/2017 11h41
O professor é hoje um profissional derrotado economicamente, politicamente, ideologicamente
Cérebros ou nádegas. Quem não tem dinheiro não estuda. Se tudo der errado. As últimas pérolas dos mercadores e dos compradores da educação alienante no Brasil. Um professor da Unicamp, um deputado, alguns alunos do ensino médio. Quem são esses personagens de um cenário educacional mais amplo bastante preocupante? Apenas alguns dos muitos que atacam o sistema de cotas nas universidades públicas, que defendem que essa mesma universidade se destine a quem pode pagar por ela e que acreditam no sucesso material e na bobagem da meritocracia.
Instituições, como escolas e universidades, públicas ou privadas, não existem no vácuo, mas em contextos sociais muitas vezes graves e confusos, os quais ela vem, perigosamente, reproduzindo. Há sete anos, venho estudando os impactos desses contextos nessas instituições que, em princípio, deveriam ser o refúgio e a defesa da ética, da estética, do saber, do conhecimento desinteressado – como defendia Nietzsche –, das discussões produtivas, da descolonização do saber, do cultivo da visão e do fazer coletivos e, no caso brasileiro, da identidade da América Latina. Em princípio...
Nesta contemporaneidade, abrem-se escolas de princesas, contratam-se pedagogos como babás, configura-se o ensino superior como um ensino médio um pouco melhorado, diretores de escola apoiam o escola sem partido, o governo pós-impeachment estabelece um teto cruel à educação por 20 anos, pais terceirizam seus filhos para escolas que já têm até lavanderias, coachs e plataformas importadas tomam o lugar do professor com seus discursos vazios.
Em épocas de ultraneoliberalismo, pais viraram clientes, alunos são preparados para o vestibular desde o 1º. Ciclo do Ensino Fundamental, professores viraram produto e abaixaram suas cabeças rapidamente, muitas vezes, sem sequer perceberem a própria desvalorização. Os sindicatos se enfraquecem vertiginosamente, sob políticas trabalhistas desfavoráveis e em uma inação que aumenta as dificuldades dos professores em resistirem ao massacre. A visão crítica agoniza; a visão coletiva vira utopia; o questionamento foi substituído pelo simpático consentimento mudo, vazio e covarde.
O professor é hoje um profissional derrotado economicamente, politicamente, ideologicamente. Muitos tentam resistir, mas, como em tempos imemoriais, sequer são entendidos naquilo que defendem. Milton Santos já disse que o intelectual é o ator social mais oprimido no Brasil, e Darcy Ribeiro já revelou que a crise na educação do Brasil não é uma crise, é um projeto ideológico.
As peças do jogo educacional se encaixam, na prática e na teoria. Como chegamos até aqui? De vários modos. Um deles foi e é a falta de questionamento. Como disse Cornelius Castoriardis, o problema da condição contemporânea de nossa civilização moderna é que ela parou de se questionar. Não formular certas questões é extremamente perigoso, mas o sistema se estrutura de modo a mostrar que fazê-lo também o é. Está criado o jogo de tensões entre os silenciosos e os questionadores. Todos pagam um preço, o de perderem a dignidade ou de causarem estranhamento, o qual deveria ser desejável na educação, mas não é. Não é porque esse projeto ideológico de que fala Darcy Ribeiro garantiu gerações e gerações de professores, mesmo mestres ou doutores, acríticos, formatados em cursos superiores, públicos ou privados, voltados para a técnica e para o mercado.
No outro lado desse mundo como perversidade, a mídia oficial ajuda muito no processo de decadência ética, intelectual, crítica. Tira proveito e provoca, dialeticamente, a pocotização de muitos, como adjetivou Luciano Pires, desviando as atenções das questões realmente importantes: anestesia milhões de telespectadores, a cada dia, com a exposição da violência; transforma algumas das pessoas mais estúpidas em celebridades; dita rumos políticos; tira do debate o que convém ser tirado e decide qual será o assunto do dia, no café da manhã, no almoço e no jantar.
O desconhecimento histórico e social do que as cotas e outros auxílios já fizeram a estudantes universitários e suas famílias, a falta de ética secular da política brasileira e o pensamento elitista e falacioso da meritocracia da classe média rondam o cotidiano educacional no Brasil. Perpetuam Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.” Entram nas engrenagens sociais, alcançando universidades, onde já há alunos de pós-graduação, mestrandos e doutorandos, querendo ser príncipes e princesa, no que parece ser um processo de disneilandização sem volta.
Darcy Ribeiro disse que tentou fazer uma universidade séria e fracassou. Sim. Neste momento, ninguém poderia consolá-lo. Em várias escolas e universidades, públicas e privadas, muita coisa deu errado. O modo como muitos adolescentes chegam e saem do ensino médio explica parte desse fracasso. A educação, ao que tudo indica, não é mais a luz no fim do túnel, sempre duramente atacada pelo próprio Estado. Ela segue reproduzindo e reforçando, dialeticamente, a violência e a exclusão social. A saída é nos lembramos de como Darcy Ribeiro completa o próprio pensamento, “Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”, e ficarmos sempre atentos a de que lado estamos.
*Sócia desde 2017
Texto original :BLOG DO SÓCIO
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