segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Propostas de educação e ciência do gênio Roger Bacon

por Marcos de Aguiar Villas-Bôas — publicado 08/12/2017 10h28

Roger Bacon criou o método científico ainda na Idade Média e, com uma proposta de educação que seria inovadora hoje, ajudou a reformar a escolástica.

Estátua de Roger Bacon no Museu
 de História Nacional na Universidade
 Oxford
Em outro texto, apresentamos o início da história da educação no Brasil, que, nos primeiros 300 e poucos anos após a chegada dos portugueses, foi ministrada basicamente pelos jesuítas a partir do antiquado método escolástico. No século XIX, empregou-se o método Lancaster por um curto período.

Enquanto isso, entre 1500 e 1900 na Europa aconteciam grandes avanços, não acompanhados no Brasil, a partir de autores como Erasmo de Roterdã, Michel de Montaigne, Jean-Jacques Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi e Hippolyte Léon Denizard Rivail.

Pouco se fala, contudo, a respeito de um frade franciscano da Idade Média que criticou muito os dogmas, a aceitação de hipóteses sem provas, os excessos do clero e a escolástica.

Alguns fatos da vida de Roger Bacon (1214-1294) não são claros, inclusive sua data de nascimento, mas ele é considerado por especialistas o criador do método científico, apesar de ter ficado pouco conhecido por isso. Autores que vieram apenas mais de 200 anos depois, como Nicolau Copérnico, René Descartes e Francis Bacon, terminaram sendo mais reconhecidos por tal feito.

Este texto busca resgatar um pouco da importância de Roger para o conhecimento humano e a sua relação com a educação. Será usado, em regra, o primeiro nome desse gênio para que não continue sendo confundido com Francis Bacon, filósofo, político e literário inglês que nasceu apenas em 1561, mais de 300 anos depois de Roger Bacon.

Roger foi um intenso estudioso de Aristóteles, da filosofia de um modo geral, e tornou-se também um grande cientista, um experimentador curioso. Essas circunstâncias o levaram a propor um método científico que fosse pragmático, mas, ao mesmo tempo, pautado em hipóteses bem fundamentadas.

Baseado no método indutivo-dedutivo proposto por Aristóteles, antes de qualquer outro Roger defendeu que o método científico deveria ser baseado em observação, hipótese e experimentação, sendo esse processo um ciclo sem fim, ou seja, ele defendeu uma visão complexa da realidade, que começasse observando, propusesse uma hipótese e depois viesse a testá-la na prática, passando a observar novamente e assim por diante.

Pode-se dizer, portanto, que Roger foi um precursor de visões de metodologia científicabaseadas na teoria da complexidade, que compreendem a ciência como um processo contínuo e espiral de inter-relações do sujeito com o objeto e de hipóteses com experimentação. 

Roger defendeu que toda ciência deveria ter uma função prática, de utilidade para os seres humanos. Já era, portanto, na Idade Média, um crítico do conhecimento meramente teórico, não experimentado e sem utilidade para a humanidade, algo muito comum ainda hoje e que marca a educação brasileira de certa forma. 

Para Roger, a Matemática e a Astronomia não eram meras ciências teóricas, mas tinham funções práticas para a vida diária. A Matemática, aliás, manteria, segundo ele, relação com todas as demais disciplinas, pois muito pode ser explicado por meio das suas formas e fórmulas, porém elas não são capazes de permitir uma compreensão completa da realidade, dependendo da experimentação científica.

Em outras palavras, nenhuma equação ou forma geométrica poderia ser aceita até que suficientemente provada na prática por meio da experimentação. Hoje é sabido que a Matemática tem uso relevante na economia, na computação e em várias outras áreas práticas de grande importância para vida humana. Quanto à Astronomia, os resultados práticos, como a chegada à Lua e o avanço no conhecimento sobre Marte, são espantosos.

Roger estava convicto de que a sabedoria deveria ser usada para melhorar a vida humana. A despeito de isso ser pouco dito, ele foi provavelmente o primeiro pragmatista e utilitarista da história.

Roger Bacon também defendeu uma reforma do programa curricular, criticando especialmente o modo como a Teologia era ensinada, repleta de dogmas e abstrações. Por conta disso e por outras críticas que fazia à Igreja e aos seus interesses, ficou preso por 14 anos. Depois de solto, ainda continuou tão duro quanto antes nas críticas à Igreja. No Brasil, contudo, cerca de 800 anos depois, o STF declarou a constitucionalidade do ensino religioso confessional, que abre espaço para a doutrinação nas escolas.

Uma das propostas de Roger para reforma da escolástica era a utilização de questionamentos filosóficos que permitissem reflexões sobre problemas do dia a dia, levando ao estudo dos porquês acerca da vida concreta humana. Foi, portanto, um visionário em termos de ensino filosófico prático, algo hoje comprovado pela ciência como de grande êxito para melhoria do aprendizado e de aspectos socioemocionais dos alunos.

Muito preocupado com o tema da moral, um dos seus principais objetivos era construir uma educação que desse civilidade, garantindo segurança, paz e prosperidade. Pode-se dizer também que, depois dos gregos antigos, ele foi um precursor na defesa de uma educação humanista e com capacidade de humanizar os educandos na prática.

Como um franciscano, ele via na Teologia ou no estudo da doutrina divina a mais importante das disciplinas, mas que não viveria sem a Filosofia Moral. A sua defesa do estudo teológico não era de engolir dogmas, mas de voltar aos antigos e retirar dali sabedoria, como faziam os gregos.

A Filosofia Moral, segundo ele, tinha alto valor prático, que se consubstancia na sua capacidade de modificar condutas, de ensinar ao homem razão prática, contribuindo para melhores relações sociais. Comparadas à Filosofia Moral e à Ciência Política, ele via as demais disciplinas como meramente especulativas.

Roger Bacon chamava atenção para o risco de só se ensinar latim, pois muitas traduções dos textos antigos, como a própria Bíblia e os livros de Aristóteles, estavam, segundo ele, repletas de distorções e erros. Ele defendeu, então, que todos precisariam aprender as principais línguas que dariam acesso aos textos dos sábios antigos, como hebraico, grego e árabe.

Além de propor a reformulação de algumas disciplinas, como a lógica, que ele não via como ser estudada fora da Semiótica, sem a semântica e pragmática, Roger defendeu a inclusão das seguintes disciplinas no currículo: Matemática, Perspectiva, Filosofia Moral, Ciência Experimental e Alquimia.

A proposta educacional de Roger Bacon, apresentada em meados do século XIII, quebrava com o modelo da época e era mais avançada do que a própria educação existente hoje na prática no Brasil. Ela buscava desenvolver múltiplas inteligências e tinha forte vieses prático e socioemocional.

A Ciência Experimental teria o fim de desenvolver os educandos enquanto pesquisadores, estimulando sua curiosidade, sua busca pelo saber, seu “aprender a aprender”, mas sempre com base na experimentação, no teste prático. Ele próprio, como pesquisador, foi um gênio. No século XIII, falou em construção de máquinas com asas para realização de voos e foi provavelmente o primeiro ocidental a mencionar a pólvora, no ano de 1248, que havia sido descoberta por alquimistas chineses. 

A Alquimia, que volta e meia é objeto de obras de ficção, é um estudo com duas perspectivas: uma material e outra consciencial. Roger dedicou-se a ambas. Muitos dizem que os alquimistas, buscando como objetivo primordial a transmutação interna, a alquimia da alma, apresentavam ao grande público o seu trabalho como meramente material, falando de produção de ouro com base em metais baratos e em outras experiências afins.

Como o momento era de Inquisição, de lançar muitos inovadores e questionadores à fogueira, os alquimistas não podiam dizer que não seguiam os dogmas católicos e que estavam buscando outras formas de ascensão, de relação com o divino. Então, falavam mais em aspectos materiais das suas pesquisas, algo que era bem aceito pela Igreja. 

Roger Bacon, ainda hoje pouco conhecido, foi um dos maiores gênios da história humana e grande inovador da educação. Isso comprova que a educação brasileira tem pouco a ver com a real educação, pois se perdeu desde o começo da sua história pelo domínio da Igreja e pelo formato que ganhou com base em visões tacanhas pautadas em fins mais voltados para uma instrução superficial do que para uma educação profunda e integral do ser humano.

*Dedico este texto à família Bacon, Pierre, Michel e François.

Texto original: CARTA CAPITAL

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