Vendido como a “educação do futuro”, emprega modelo do século XIX, baseado no despejo frenético de conteúdo. Uma tragédia em tempos de concentração reduzida e traumas familiares. Como usar ferramentas virtuais para romper atraso?
Publicado 25/03/2021 às 18:40 - Atualizado 25/03/2021 às 18:45
Por Rudá Ricci, no Jornalistas Livres
Rice sustentava que a educação deveria ter o foco na formação para a indústria. Daí, as disciplinas mais importantes seriam aquelas vinculadas à produção industrial: matemática, física, química, biologia e comportamento. A leitura (para o operário ler instruções) completava esta normativa. O educador taylorista, então, dividiu o número de aulas que considerava necessária para o desenvolvimento, em quatro anos do ensino “primário” pelo tempo de aula naquele momento e chegou aos 40 minutos. O módulo-aula, então, não tem relação alguma com qualquer aspecto pedagógico.
Ora, o primeiro erro pedagógico grosseiro que estamos cometendo é transpor – ou adequar sem acuidade técnica alguma – o módulo-aula que empregamos desde o século XIX.
Qual seria o tempo de programação de aulas durante a pandemia: cinco dias úteis. Esta deveria ser a medida. Estou sugerindo que cada plano de aula deveria se apoiar na pedagogia de projetos em que os alunos seriam instigados a planejar seu tempo de pesquisa para elucidar um problema ou situação-problema (como se pensou o ENEM originalmente).
O acompanhamento poderia ocorrer por “dicas” fornecidas por programas de rádio (todos têm acesso ao rádio e esta é a experiência mais exitosa de ensino remoto atual, praticado por Alagoas). O diálogo de professores com alunos se daria por mecanismos próximos ao portfólio. Convênios das secretarias de Educação com os Correios ou, nas áreas rurais, com cooperativas que possuem “linhas” de coleta de produtos agrícolas garantiriam o fluxo. Na segunda, professores despachariam cadernos com o projeto da semana e, na sexta, os cadernos retornariam para análise e correção.
Passemos para o que considero ser o segundo erro grosseiro do ensino remoto: desconsiderar a interatividade típica das novas tecnologias de comunicação. A grande maioria das redes de ensino transformaram as plataformas em informação dada, sem interatividade entre alunos. Se há algo significativo no uso das novas tecnologias pelas crianças e adolescentes é a interatividade. Basta acompanhar a troca de mensagens pelo YouTube, Instagram ou as plataformas mais velozes. Eles formam opinião pela interação, pela troca de impressões.
O que estamos fazendo é transformar as plataformas em “folder eletrônico” em que a relação é verticalizada: o comando pedagógico com o objeto passivo do recebimento. Se alguém lembrar da “educação bancária”, matou a charada.
A pesquisa com jovens que citei logo no início deste fio indica que 30% dos 33 mil jovens pesquisados não sabem se voltarão às aulas no futuro. Parte desses 30% afirmam que esperavam maior apoio emocional nesse momento em que suas famílias perdem renda, morrem parentes por Covid e o futuro ficou nebuloso. O que fazem as escolas? Despejam atividades sem parar, numa sequência desumana. Erramos por ansiedade pedagógica. Esquecemos de entender, antes, as condições concretas de estudo de nossos alunos. Saltamos do mundo real para a construção idealizada de uma aula normal em meio ao caos.
O foco deveria ser a criação de “Rodas de Conversa” entre alunos, espaços em que poderiam relatar suas dúvidas e angústias para reconstruir a crença no coletivo, na escola e na sociedade. A questão central é: estudar para quê? Esta é a chave da comunicação e da pedagogia.
Posso relatar casos que vivenciei nesses anos de caminhada na educação brasileira. Vou citar um caso como ilustração. Uma menina furtava lápis e outros objetos dos seus coleguinhas de sala. Um técnico formado para visitar famílias – o articulador comunitário – foi à sua casa. Ao chegar à residência da família da aluna, foi atendido pela avó, que se desesperou quando soube do comportamento da neta. Chamou a neta e ouviu da criança que ela furtava para ser presa e, assim, ficar com a mãe que cumpria pena por ser “mula” do tráfico de drogas. O impacto dessa informação levou a mãe a ter sua sentença reformada. Voltou para casa com tornozeleira eletrônica. Em três meses, a aluna voltava ao seu padrão de comportamento. Não há como existir educação sem equilíbrio familiar.
Nessa ansiedade da “sociedade do desempenho”, o Brasil se esqueceu da função da educação e da pedagogia. A formação de nossos alunos não se dá somente pela escola. A formação formal concorre – ou se associa – com a formação familiar, principalmente em período pandêmico. É comum gestores educacionais distinguirem a estratégia educacional do que consideram “assistencialismo” (na verdade, política de desenvolvimento social). Equívoco grosseiro de quem estacionou no século XX. Todos os estudos internacionais indicam exatamente o contrário.
Temos, portanto, um desafio educacional gigantesco. Precisamos ouvir mais e estudar mais ao invés de criar atalhos pedagógicos que estão dando com os burros n’água. Muitos pais ou responsáveis trabalham fora. Com quem deixar seus filhos? Muitos pais trabalham em home-office: como dividir tarefas profissionais com familiares se os dois espaços se confundem? É grande parte dos pais que afirmam que os conflitos familiares aumentaram neste período.
Ao mesmo tempo, não há como as aulas presenciais retornarem neste momento em que batemos recordes diários de mortes por Covid em nosso país. A Fiocruz sugere que somente quando chegarmos a um infectado novo por dia a cada 100 mil habitantes poderemos ter aulas presenciais.
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Não há atalhos. Temos que ser profissionais. Não podemos nos render às respostas fáceis e superficiais. Temos que criar uma comunidade científica entre educadores. Definir rumos corretos, socializar experiências exitosas. Basta de gerencialismos que andam em círculos. Que sejamos menos ansiosos e mais profissionais.
Texto original: OUTRAS MÍDIAS
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