domingo, 22 de março de 2015

Elvino Gass: Aquele cartaz seria apenas uma estupidez, não fosse uma vergonha contra o Brasil e sua cultura

publicado em 22 de março de 2015 às 00:19

Curioso o fato da minha faixa contra o Paulo Freire ter causado tanto bafafá. Em várias manifestações de tendência esquerdista, a figura de Jesus Cristo é completamente avacalhada (alguns até mesmo enfiam crucifixos no ânus) e praticamente ninguém da “cumpanherada” reclama. Mas criticar o Paulinho? Ah, isso não!!! Paulo Freire é uma figura sacrossanta!!! Haja saco… “Pedagogia do oprimido” = coitadismo e doutrinação marxista fulera; não recomendo nem para o meu cachorro.
Carta Aberta: Obrigado Paulo Freire!
Vimos à presença de vocês pedindo licença para nos posicionarmos, primeiramente enquanto educadores(as) capixabas e brasileiros, e depois como estudiosos/pesquisadores da educação, frente a algumas manifestações particulares no interior das manifestações do último domingo, dia 15/03/2015.
As declarações de ódio explícito a Paulo Freire e sua suposta “pedagogia de doutrinação comunista” foram uma das marcas dos protestos ocorridos no último domingo em vários lugares do Brasil.
Certamente, quem estendeu cartazes desse tipo atacando, senão o maior, um dos maiores educadores brasileiros de todos os tempos, reconhecido internacionalmente como autor de uma obra magnífica e também como símbolo de uma práxis pedagógica a serviço da construção de uma sociedade mais humana, justa e democrática, desconhece a sua história, não leu a sua obra ou, se leu, não a compreendeu.
Qualquer leitor atento da obra de Freire é obrigado a reconhecer que a sua Pedagogia é atravessada pelo princípio do diálogo como método essencial de construção do conhecimento. Não conseguimos entender como é possível que alguém que afirma e reafirma reiteradamente o diálogo como o caminho necessário para uma educação que respeita a autonomia dos educandos, pode ser rotulado de doutrinador.
A educação é por princípio uma atividade de difusão de valores políticos, axiológicos, estéticos, ideológicos etc. Freire insistia em nos alertar: não existe educação neutra.
Transmitir conteúdos prontos sem problematizar os diferentes usos que se faz e que se pode fazer deles na vida concreta da sociedade tem sido a prática dominante da educação escolar brasileira há séculos. Tal processo tem ocorrido de modo dogmático, autoritário, antidialógico e antidemocrático. Ou seja, promovendo (aí sim) uma doutrinação política em favor de uma ordem autoritária, hierárquica, injusta, formadora de sujeitos submissos, incapazes de compreender o uso social do conhecimento que é sempre subordinado a algum interesse.
Freire explicitou que não existe conhecimento e professor que pairam acima das circunstâncias sociais. A educação não é neutra, ao contrário, é sempre a favor ou contra algo, a favor ou contra alguém, a favor ou contra uma dada realidade.
Assumindo-se o caráter eminentemente político de qualquer ato educativo, o educador, de fato, não é aquele que se diz neutro, e sim aquele que abre o diálogo com os educandos a respeito das suas visões de mundo, problematizando-as e buscando seus fundamentos. Freire nos ensinou a fazer isso, ou seja, ensinou-nos a fazer uma educação adequada a uma sociedade democrática.
Tempos difíceis esses em que vivemos. Pessoas que não se importam de marchar junto com outras que pedem intervenção militar acusam Paulo Freire, um dos maiores símbolos da luta democrática do Brasil, de defender a doutrinação na educação.
Se tivéssemos certeza de que esse tipo de deturpação e inversão da realidade não passasse de mera provocação sem maiores danos, nem precisaríamos nos dar ao trabalho de responder e comentar. Porém, infelizmente, não é assim. A história nos ensina que um povo movido por ódio, ignorância, irracionalidade e manipulação midiática pode provocar muitos estragos.
Pode, inclusive, manchar uma obra reconhecida mundialmente, independentemente do sistema político adotado, pois se trata de uma obra moderna, humanista, democrática e defensora do respeito aos seres humanos e seus direitos. Inclusive os que com honestidade intelectual e política discordam, reconhecem que é uma obra eminentemente dialógica.
O Brasil, com suas condições objetivas, produziu no decorrer do século XX este educador e pensador da educação reconhecido pelo mundo, que não sejamos nós, neste início de século XXI a desfazer esta lição de diálogo e democracia.
Freire nos ensinou a fazer da educação um instrumento de luta a favor dos mais vulneráveis da sociedade e revelou que a educação hegemônica tem servido aos poderosos. Seja por desonestidade, seja por ignorância, seja por manipulação, seja por cumplicidade com a ordem social vigente no planeta, os que levantam cartazes contra Paulo Freire fazem um desfavor à educação do Brasil e do mundo.
Diante de tudo o que dissemos anteriormente resta-nos concluir dizendo e conclamando a todos(as) educadores(as) deste país a se indignar, dizendo:
Obrigado Paulo Freire: por ter aberto os nossos olhos sobre o potencial da educação.
Obrigado Paulo Freire: por ter nos legado uma obra de tanto valor.
Obrigado Paulo Freire: por nos deixar orgulhosos por saber que um brasileiro é tão lido e respeitado no mundo inteiro, inspirando milhões de educadores e estudiosos, que veem em sua vida e em sua obra uma inspiração para continuar lutando contra todas as formas de opressão e para continuar desvendando as deturpações promovidas por aqueles que se acham os únicos merecedores de uma vida digna.
Grupo de Estudos e Pesquisas Paulo Freire (GEPPF) da Universidade Federal do Espírito Santo
21/mar/2015, 10h28min
Paulo Freire não era só um cartaz no 15 de março
Ir às ruas pedir um país melhor, como aconteceu no dia 15 de março, é um movimento que deve ser respeitado por quem defende a liberdade democrática.
Não se confunda, pois, respeito com aquiescência a opiniões políticas equivocadas e cinicamente seletivas que, neste dia, tentaram atribuir a uma pessoa, Dilma, ou a um partido, o PT, a culpa pelos males históricos do Brasil.
Para respeitar o 15 de março, é preciso retirar dele o viés eleitoreiro (“não tenho culpa, votei no Aécio”), golpista (“impeachment”), violento (“intervenção militar”, bonecos enforcados), anti-democrático (“fim do Supremo”), incoerente (Bolsonaro e alguns do investigados da Lava Jato estavam nas ruas) e desumano (“feminicídio, sim”).
Sobra pouco? Ainda assim o exercício do respeito é necessário, porque este “resto” é o que de mais precioso há numa nação democrática: o direito de as pessoas dizerem o que pensam.
Este direito também é meu, e exerço-o para repudiar quem sustentou, no dia 15, um cartaz com a aberração “basta de Paulo Freire”.
Talvez alguns dos que protestaram não saibam, mas 15 de março é o Dia da Escola. E Paulo Freire é uma das maiores referências da pedagogia popular moderna do mundo!
Talvez os manifestantes também não saibam, mas a contribuição deste brasileiro à educação, fez dele Doutor Honoris Causa em mais de 40 universidades internacionais – entre elas as celebradas Oxford e Harvard – e sua vasta obra integra a formação de educadores em todos os continentes.
Aquele cartaz seria apenas uma estupidez se não fosse uma ignomínia contra todo o país e sua cultura. Não por acaso, no Dia da Escola, a Unesco (braço das Nações Unidas par a educação, a ciência e a cultura), escolheu publicar em suas redes sociais, justamente uma frase de Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
Sim, para Freire a educação é prática política. Então, quando um movimento autoriza, sem contestação que se diga “basta de Paulo Freire”, é porque sua organização contém a ideia de que basta “da prática” difundida por este educador. Nada pode ser mais equivocado.
A maior lição de Freire é que a educação tem o poder de dar fim à opressão da classe dominante sobre a classe trabalhadora, dos patrões sobre os empregados, da patroa sobre a doméstica, do doutor sobre o motorista.
Aquele cartaz carregava, portanto, uma espécie de confissão ideológica daqueles que com ele desfilaram. E que, não por acaso, eram brancos, ricos e conviviam “pacificamente” com inúmeros outros cartazes que pediam “intervenção militar”.
O absurdo faz lógica entre os seus portadores, afinal, para os militares, a prática desse brasileiro cuja importância o mundo celebra e reconhece, rendeu-lhe cadeia e proibição de suas obras.
Talvez, a única resposta a tamanha estupidez seja mesmo a escolhida pela ONU.
Não há transformação sem pessoas educadas. E pessoas educadas não permitem que se enxerte no conceito de democracia qualquer crime contra a honra, a memória ou a cultura de um povo.
Aquele cartaz não apenas despreza uma das mais bonitas, generosas e profundas contribuições de um brasileiro ao mundo.
Mas revela, também, o caráter anti-democrático de quem fez e de quem permitiu que desfilasse entre as palavras de ordem do dia. Foi apenas um cartaz, mas disse muito sobre o 15 de março.
*Elvino Bohn Gass é Deputado Federal (PT-RS) e Secretário Nacional Agrário do PT
PS do Viomundo: Os analfabetos funcionais nos ajudam quando, através de demonstrações de sua ignorância, criam polêmicas tão educativas quanto esta.
Leia também:
Texto original: VI O MUNDO

quinta-feira, 5 de março de 2015

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica de Sergipe - Lei nº 10.639/03

Livro com orientação sobre a Lei nº 10.693/03
A sociedade brasileira, de maneira geral, ignora o preconceito velado que existe contra os descendentes africanos, que tiveram e têm uma significativa importância na construção de nosso país, não obstante a Constituição de 1988 ter estabelecido a democratização das relações sociais, determinando que “constitui objetivo fundamental da República promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º, IV)

A existência da lei considerada abstratamente não é suficiente para a construção de uma sociedade mais justa e isenta de toda a forma de preconceito, sendo imprescindível a participação de todos no combate à discriminação e na valorização da educação das relações étnico-raciais.

Aprender sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro é aprender a conhecer a história e a cultura de vários povos que aqui se encontraram e contribuíram com suas memórias e tradições culturais, na construção deste país e no fortalecimento das identidades e dos direitos civis.

A Lei nº 10.639/03, que altera o dispositivo da Lei nº 9.394/96, no seu artigo 26, a qual estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, determinou a inclusão, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, que constitui, também, uma resposta à demanda da população afrodescendente para que o Estado assuma políticas de ações afirmativas, isto é, políticas de reparação, reconhecimento e valorização da História dessa população. Assim, no que diz respeito à Educação, o país dá um significativo salto na direção de uma mudança qualitativa nos seus Sistemas de Ensino.

Os educadores devem compreender o presente manual como um guia cuja finalidade é oferecer sugestões que possam subsidiar as atividades sobre a temática da história e cultura dos afrodescendentes, contemplando nos currículos escolares as diversidades cultural, racial e social brasileiras. Isso significa destacar as diferenças étnico-raciais que estão postas, tanto na escola, como na sociedade, com espírito crítico, incentivando a reflexão e o combate ao racismo.

Equipe de DED/NEDIC  
Secretaria de Educação do Estado (SE)